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Onani Master Kurosawa e o coletivismo japonês

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"O encerramento. A explosão. O nada"

Nunca julgue um livro pela capa, nos ensina a sabedoria do senso comum. Gostaria de apresentar uma modificação dessa ideia. Nunca julgue uma obra pela sinopse. Exatamente, essa foi a primeira lição que aprendi com Onani Master Kurosawa, título publicado exclusivamente na internet em quatro volumes, seguramente um dos melhores mangás que eu já tive a oportunidade de ler. Afinal, qual é a sinopse dessa história? Kakeru Kurosawa é um enfadado estudante ginasial de 14 anos que segue um ritual rigorosamente todos os dias letivos do colégio: Se dirigir a um banheiro feminino abandonado da escola e se masturbar pensando em alguma colega de classe. A palavra ritual não caracteriza apenas a periodicidade do ato, mas sua preparação. Da escolha da pobre vítima do dia ao paranoico deixar-se levar ao banheiro após uma estratégica esquiva para a biblioteca. E então você, como eu, como todo mundo que ouve falar desse mangá pensa, WTF, por que caralhos eu vou ler um mangá sobre um cidadão que se masturba? As opiniões positivas dos leitores, no entanto, eram quase unânimes. Blogs como o Mangás Cult e o Mangás Underground colocaram suas reputações em jogo tecendo elogios ao doujinshi (sim, é um título independente). Pensei, quatro volumes, por que não? Cansei de me surpreender com os japoneses... A sinopse que afugenta no primeiro momento, atrai quando alguém fala bem. Como assim é bom? Preciso conferir com meus próprios olhos!! Se me falassem que um doujinshi de samurais é excelente, provavelmente não teria lido, ao menos não tão prontamente. Sobre onanismo não dá...

É claro, o mangá não se limita, nem centraliza a história no onanismo do rapaz. Quebra a cara quem espera uma história pornográfica (as cenas não são mais fortes que Love Hina, por exemplo) ou uma comédia pastelona; quebram também os que chegaram amplamente desacreditados nas páginas iniciais e de repente se viram presos à trama, incapazes de deixar a leitura para o dia seguinte. O título é profundo, levanta questões pertinentes e provoca um envolvimento inesperado no leitor. O cidadão que entra na história esperando uma piada sai alterado da experiência. Pretendo introduzir os pontos factuais que dão corpo ao mangá para depois fazer minha análise pessoal. A partir do exemplo, falarei um pouco sobre a tal da nação coletiva japonesa, traçando paralelos com o mangá, assim é possível compreender melhor a força da obra no país de origem. Rola spoiler, se você quiser apenas ler sobre o coletivismo, vá direto ao parágrafo "São vários os fatores que justificam essa sensação...", mas não sei se fará muito sentido descolado do exemplo. (não esqueçam, é mangá, falas da direita pra esquerda!)


Kurosawa é daquele tipo de pessoa não muito numeroso, mas sempre representado em qualquer sala de aula mundo afora, principalmente no Japão. Um jovem nitidamente inteligente, que obtém boas notas apesar da pouca dedicação aos estudos, um observador nato, munido de inteligência interpessoal diferenciada. Kurosawa, no entanto (ou por conta disso), se considera auto-suficiente. Os outros são idiotas, estúpidos, de se jogar fora, não merecem sua atenção. O contato verbal com os colegas é paulatinamente evitado, ele não se sente conectado aos colegas de classe, despreza os companheiros e nunca ouviu sinos badalando delicadamente em seus ouvidos ao ver alguma garota. Sua frágil teia social não foi construída com fios de palavras, saliva, afetos, é um mero gato, uma grotesca gambiarra feita de sêmen. O fio que ainda o liga aos demais é a atração sexual que despertar por suas colegas de classe e nada mais. A cada novo ano, pouco lhe importava o remanejo dos alunos por parte da escola para formar novas classes, não tinha amigos a perder, sua única preocupação era cair na sala com o maior número de monumentos possíveis que lhe servissem de inspiração para seu vício odioso.

O acaso brindou a turma de Kurosawa com três Helenas que faziam qualquer um perder o controle apenas pelo esboçar de um sorriso; é fato que também lhe amaldiçoou com a presença do maldito otaku Keiji Nagaoka, que insistia em tentar estabelecer contato com Kurosawa apesar do consecutivo desdém com o qual era recebido. Kuro-kun, o niilista, não tinha sonhos, objetivos, deixava-se levar ao sabor dos ventos, não queria ser nada e não se preparava para o momento em que descobrisse o que gostaria de fazer. Sua vida resumia-se a tolerar os imbecis que o cercavam, ler livros e, redenção abençoada, poder homenagear alguém no banheiro abandonado.


Num certo dia Kurosawa observou abismado um ijime (bullying no Japão) coletivo contra Aya Kitahara e por tabela também contra Pizza-Ta. Causava-lhe espanto o comportamento hostil das duas iniciadoras da agressão, a participação indireta de Naito que agia mal enquanto protegida pela zona de conforto, e a conivência da platéia que generalizou o assalto protegidos pela ativação da massa humana, esse monstro de carne que anula a individualidade e a responsabilidade. A participação pública, seu silêncio apesar de perceber os engendramentos do caso, o choro da infeliz e o riso dos agressores fomentaram ojeriza nesse inteligente e infeliz rapaz. O mestre do onanismo resolve se vingar das duas agressoras (ou da humanidade) e simplesmente ejacula em seus uniformes enquanto a sala está praticando educação física (no Japão existe o uniforme separado de ed. física, ele fez nos uniformes de marinheira que estavam guardados nas bolsas das meninas). Kitahara, a vítima do ijime, descobre o responsável pela sujeira e parte para a extorsão. Em troca do silêncio, Kurosawa deveria infligir sua punição divina a outras pessoas que a atormentavam...

Sem muitas opções, mas também pouco incomodado com o serviço que lhe foi outorgado, Kurosawa se envolveu em novos incidentes. Em todos eles, seja sujando os pertences alheios, seja molestando a parede do banheiro feminino, Kurosawa traça tons apoteóticos para seu vício, onde o resultado do trabalho nos é apresentado como uma espécie de Cólera do Dragão do protagonista, que, virtuoso, ataca as meninas da sala com o único golpe que lhe pertence, esses demônios a serem derrotados e expurgados.

"mas que garota arrogante, agindo como se fosse muito poderosa, mas na minha mente ela é uma mera escrava que dá prazer ao meu pênis. É como se ela tivesse nascido com o único propósito de me servir"



Não sejamos simplistas, o mangá não é sobre um tarado. É sobre um infeliz auto-centrado, incapaz de estabelecer ligações significativas com as pessoas, procurando nas suas fantasias (o que lhe resta) notoriedade e pertencimento social, sem o qual ninguém vive. Sua ligação com as meninas da sala é restrito aos seus esboços mentais fantasiosos e esvaziar-se significa exorcizar esses seres indecifráveis de pele alva do seu solitário caos interno. Ejacular por aí é sinônimo de cuspir no mundo que não sai da frente, que não é como deveria ser, que perverte a pureza ideal. A masturbação como expressão do esvaziamento que anula momentaneamente o isolamento e a ejaculação como rejeição do mundo como ele é são apenas construções metafóricas. Quer coisa mais repugnante que algo envolvido com o fluido sexual masculino? Podemos inferir a visão de mundo de um cidadão que o ataca e se vinga com ejaculadas. Ele faz na parede ou nos pertences das colegas de classe o que o mundo e seus habitantes supostamente fazem com ele. Humilha-os com o que há de mais asqueroso a disposição.

"O líquido branco que desliza pela parede desse banheiro público é a prova de que eu a violei. O sorriso sem preocupações que ela dá para qualquer estudante sem cobrar nada... eu retribui esse sorriso da pior maneira possível..."
O banheiro como porta de entrada para esse mundo. Só há vida na fantasia.

Sua perspectiva de vida era tão minúscula que quando ele se apaixona por Magister Takigawa, tem dificuldades de diferenciar o sentimento do seu vício doentio. A gentil Takigawa, porém, começa a namorar o otaku Nagaoka, que ele, Kurosawa, por tanto tempo ignorara e desprezara. Sua raiva ganha contornos psicopatas e, rejeitado, ejacula no caderno da Takigawa. Novamente profanando algo belo, agora especial,  para alcançar algum esvaziamento, uma paz interior. Takigawa não era qualquer uma e o desgosto canalizado era forte demais para esvair-se com um golpe final. Como Kitahara, que deu alimento para sua raiva usando Kurosawa para atingir não apenas aqueles que a humilhavam diretamente, mas também todos com os quais não ia com a cara, Kurosawa se tornou igualmente destrutivo, alimentando seu rancor a partir da punição fálica.

"inveja, ódio próprio, luxúria; eu perdi a noção de tudo. Desde aquele dia eu só estive flutuando. Apenas olhando para a paisagem"


O cão raivoso aciona sua metralhadora giratória - literal e metafórica - e passa a atingir mais conhecidas, tendo como auge a trollada da flauta (aula de música, a garota foi tocar sua flauta, percebeu algo estranho e...enterrou sua vergonha com sete palmos de silêncio). "Uma vez que a pessoa começa a descarregar sua raiva, se torna muito difícil de parar", afirma o personagem. Me pergunto, como ele esperava ser gostado se simplesmente não se mostrava? Takigawa no passado era como ele, uma pessoa reclusa, mas percebeu a inadequação do comportamento e procurou mudar. Não se alterou como da água para o vinho, a promessa oferecida em oito passos pela literatura de auto-ajuda.

Nesse sentido a história tem um pé enraizado na realidade, pois a auto-estima de Takigawa foi minada pela alvejada recebida. Percebemos que ela, na real, continua a mesma pessoa insegura e retraída, que mesmo assim colhia frutos de uma mudança consciente de comportamento. Muitas pessoas buscam as terapias diversas oferecidas pela Psicologia com um propósito transformador. Elas querem sair do consultório como outra pessoa, como se traços de personalidade fossem algo mutável e problemático a ser substituido. Sou tímido e quero me transformar em extrovertido. Ao contrário, a terapia busca trazer qualidade de vida apesar das limitações, procura ensinar a conviver melhor com o que nos é imposto e realizar coisas apesar delas. A auto-ajuda nos diz que somos capazes de mudar tudo, basta querer e tentar o bastante (ainda por cima oferece fórmulas universais, válidas para todo mundo!). Não precisa ser um gênio para perceber o patético desse discurso. Além de ignorar peculiaridade individuais, ignora determinantes que não estão no nosso controle, como as outras pessoas, traços genéticos, economia etc. Nesse sentido, Takigawa é uma personagem muito bem construída, forjando uma expressiva vida social pela boa vontade, sem negar o que se é, sem se tornar um super-homem. Continua fraca, mas faz o seu melhor para ser uma pessoa agradável. (sim, odeio auto-ajuda, não por ser um pedante amante da alta literatura, mas por enxergar que esse lixo mais angustia que ajuda. As pessoas enganadas, é óbvio, não realizam o prometido e se sentem integralmente culpadas pelo fracasso que muitas vezes não lhes cabem totalmente)

Você deságua em mim e eu oceano

Kurosawa muda. Percebe a pequenez da sua perspectiva, confessa ser o autor da pouca vergonha para a sala toda. É espancado, ignorado, ameaçado, mas enfrenta as intempéries em nome de abertura dessa visão. Enfrenta isso e passa a procurar seu espaço no grupo social. Procurar, não vai cair do céu! Nesse sentido o mangá novamente é muito feliz em trazer alicerces firmes do mundo real. Como se dissesse, meu amigo, você passou a porra da sua vida inteira ignorando e desprezando os outros, escondendo suas qualidades, por que diabos você acha que só porque você quer, do dia para a noite, o mundo lhe abraçará? Primeiro você vai ter que derrubar o muro que construiu, pavimentar estradas, e só então almejar colher um ou outro fruto, costurar novas teias de palavras, saliva e afetos. Não todos os objetivos desejados, pois, novamente, isso ignora a livre atuação das demais pessoas, mas alguns certamente. Kurosawa não desistiu depois de apanhar, ser jurado de morte, ser ignorado, ter sua mesa pichada, enfrentou tudo sabendo do preço a ser pago. Foi por isso recompensado...não desistiu no segundo dia para voltar a ejacular no mundo apodrecido que não tem olhos para si. Assim como Nagaoka foi recompensado com uma bela namorada, apesar de ser um otaku, por não fugir da vida! Já Kitahara virava pó enquanto se convertia em combustível de cólera.

O mais legal é que o mangá inclusive traz a perspectiva de castração simbólica. Quando Kurosawa, em sua nova vida, flerta com Sugawa, ele inicialmente compreende o fato (ao menos na visão dele) de que para ela, ele não passava de um conhecido e nada mais. Querer não é poder, por mais que incomode, senhor narcisista. Amadurecer é abrir mão da nossa sensação infantil de onipotência. Portanto, abraçar o real não quer dizer possuir o mundo em suas mãos, ele nunca sai da frente, nos frustra e nos deteriora instante a instante, mas é melhor lutar por algumas quimeras que jogar tudo pro alto, não? Ótimo não converter o protagonista num super-herói.

"No dia do nosso último plano eu vi. Só uma mera olhada. Algo que eu não poderia ver enquanto trancado dentro dessa cabine o tempo todo. Era uma cena linda, mais bonita do que qualquer cena que eu sonhei dentro da minha cabeça... Afinal, sou só um garoto no banheiro feminino brincando de Apanhador no Campo de Centeio"
Aquele momento de lucidez quando se percebe conviver com simulacros

Relendo, creio que falhei miseravelmente em transmitir a qualidade da obra, mas se você leu o mangá, tenho certeza que sabe do que estou falando. Um título amador que deixa no chinelo muito roteirista consagrado do meio editorial japonês. O mangá consegue transmitir sensações de modo incrível, e a mesma imersão que senti ao ler - incapaz de largar antes do término - foi igualmente percebida pelos demais blogueiros que leram. A decupagem dos quadros e o foco expressionista auxiliam nessa transmissão. O desenvolvimento dos personagens, apesar de apenas em quatro volumes, é adequado e profundo, bastante verossímil, com exceção do final que nos traz alguns clichês como a onipresente tsundere, mas nada que incomode. Kurosawa e Kitagawa não apenas não deixaram de ser o que eram como pagaram o preço da mudança. Sugawa, uma das meninas que humilhavam Kitahara, se arrepende dos atos ginasiais e até se coloca a disposição para se desculpar com ela, outro ponto de amadurecimento.

Pessoalmente, encerraria o mangá de modo diferente. Kurosawa e Kitahara tiveram destinos semelhantes, mostrando que não importa o nível de isolamento, é possível recolher os cacos e recomeçar - uma mensagem importante para esse Japão. Eu optaria por um destino trágico da Kitahara, evidenciando que é possível mudar, mas que também é possível, e é inclusive mais fácil e confortável, ficar se retroalimentando de bosta até estourar ou murchar completamente, situação da maioria dos casos reais. Um ser destrutivo, ejaculando a esmo contra o mundo, para usar a metáfora desse mangá.


"No final, tudo o que eu quis era simplesmente não ser odiado por todos, e então, dentro dessa cabine, eu cedi aos desejos de ter conexões com as pessoas."

No fundo, a série mostra os perigos de se enclausurar dentro da própria mente. O ser humano é de natureza social, e a sociedade, lógica e cronologicamente anterior a ele, também cobra isso de cada rebento. Em outras palavras, não é um mangá de masturbação, é um mangá que sinaliza o perigo da fuga do real e consequente virtualização da vida. (o que me deixa puto é que eu sinto mais substância nesse título que eu não consegui captar...compartilhem opiniões e novas visões nos comentários). Pelo tocante escatológico, considero OMK uma obra melhor que o ero-guro de Suehiro Maruo.

Você deve pensar: Esse xarope só sabe falar a mesma coisa dos japoneses? Onani Master Kurosawa, Kimi Ga Nozomu Eien, Suicide Club, Paranoia Agent...tudo aqui é uma denúncia de isolamento pela fuga do real?!? Não apenas, mas também. Tomemos o termo virtualização da vida como um platonismo que domina o pensamento japonês atual. Virtualização não se dá apenas no videogame, nos animes, mas também na nossa fantasia, o princípio é o mesmo. Insatisfação com o real e refúgio imaginário, onde as coisas são puras e ideais. Kurosawa era um platônico nato, buscando a mulher ideal para se conectar na sua fantasia, compensando assim esses rascunhos de vagina que o desprezam no mundo real, esse também, um mero croqui povoado por estúpidos rabiscos de amigos. Takigawa estava para Kurosawa como o mundo das ideias está para Platão, o Universo ordenado para Aristóteles, o Paraíso para os cristãos, a sociedade sem classes para o comunista, a qualidade de vida para o capitalista... platonismo puro. O real é uma merda, o bom está no porvir, então eu nego a vida no mundo (em outras palavras, nego o AGORA) em nome da projeção ideal de mundo. Acho que Nietzsche ejacularia no Japão de hoje... (aliás, acho que em qualquer coisa que não nele mesmo)

São vários os fatores que justificam essa sensação, alguns inclusive já abordados em outros textos do blog, mas essa necessidade de conexão social faz ainda mais sentido no Japão. Enquanto o ocidente celebra o individualismo, a autonomia, o agir pessoal, o self-made man americano, o japonês valoriza acima de tudo o grupo, o coletivo, o pertencimento.



Não é possível conceber a vida no Japão apartado do grupo, sem a referência do coletivo. Esse é um vestígio milenar dos tempos de Japão rural, onde o cultivo do arroz demandava comprometimento de um número gigante de pessoas, fato que uniu famílias em prol do objetivo maior...sobreviver. Enquanto que as famílias aristocráticas também se organizavam em clãs enormes e hierarquizados para manter uma concentração de terra maior, e consequentemente, se tornarem mais poderosas.

"a capacidade nipônica para o trabalho árduo e de equipe vem sendo cultivada no país, por necessidade de sobrevivência, há mais de dois mil anos. No início, seus habitantes ocuparam-se do cultivo de arroz irrigado, o qual obrigava a trabalhos conjuntos nas plantações e colheitas, bem como à divisão e distribuição da água." (Yoshimoto, 1992)

Os japoneses são criados no sentido de adequação ao grupo. Devem mimetizá-lo e jamais buscar distinção, originalidade, notoriedade. Você jamais verá um japonês discordando diretamente de uma opinião sua numa reunião de negócios, por exemplo. Ele não afirmará "Não!" ou "Está errado!". Ele tentará contornar a situação, se dobrará para tentar mostrar sua opinião sem negar a exposta pelo interlocutor. O sistema educacional japonês (estou devendo o post sobre ele, né?) é uma ferramenta compulsória de adequação. Ensino robotizado e pasteurizado. Justo agora, quando o Japão está precisando de um choque de empreendedorismo, a educação que os alçaram ao topo do mundo graças à uniformidade da qualidade, se tornou um obstáculo. O líder empresarial japonês não é o gênio egocêntrico, como o cultuado Steve Jobs, mas sim aquele que dá coesão e liga ao grupo, fazendo-o trabalhar como um corpo social que se incentiva.

O conceito de corpo social não é novidade no Ocidente. Defendido por John de Salisbury no séc. XII, a ideia de coletivismo e hierarquia parece uma aberração hoje, mas permanece válido no Japão

O idioma japonês é a prova maior dessa condição coletivista. Enquanto os idiomas ocidentais tem palavras específicas para afirmar seu EU, no japonês existem as mais diversas formas para mencionar a si mesmo. A individualidade se molda de acordo com o outro lado da conversa. O eu que eles usam com o chefe é diferente do eu usado com os filhos ou desconhecidos. A natureza social é quem determina o "eu", e não a própria pessoa. Deve ser fantástico estudar Psicologia Social no Japão...

Se você assistiu Sonhos (Yume em japonês) do Akira Kurosawa - agora é o Kurosawa gênio, não o onanista kkk - fica possibilitado de compreender melhor o primeiro sonho. Quando o menino desobedece a mãe e vai assistir à reprodução das raposas, não é posto de castigo no modo ocidental, que trancafia a criança desordeira dentro de um cômodo da casa, impedindo-o de circular e exercer sua individualidade, e sim no modo japonês...ele é expulso do clã familiar! A mãe o fecha para fora de casa...desobedeceu, tentou bater as asinhas e alçar vôo, será isolado das pessoas, será chutado do ciclo social. O que a criança faz? Chora copiosamente. Não há vida sem pares no Japão.

"se um membro deixar de cumprir suas obrigações, membros de sua família com certeza as assumirão, ou então pagarão um preço muito alto, ou seja, o banimento de todos os membros da família da rede econômica e social da comunidade." (Ouchi, 1986)

Sonhos de Kurosawa - Foi ver as raposas? Pague o preço...
Se não há vida sem integração social no Japão, e o relacionamento por lá está cada vez mais complicado - gerando de hikikomoris a herbívoros - dá para compreender melhor porque a ficção japonesa preza bastante pelo retorno ao real e porque os japoneses estão com uma cultura adoecida. Se isolam na mesma medida em que precisam de calor humano para existir como indivíduos (afinal, sem o outro comigo,  de onde tirar referências para  afirmar o "eu" em japonês? a vida e a individualidade se diluem).

Os fracassados - e não são poucos, as vezes nem culpados - procuram os outros para afirmar sua presença da forma como podem. Evidente, todos eles mergulham nesses simulacros como Narciso. No consagrado mito grego, Narciso mergulha com tudo para alcançar sua própria representação espelhada nas margens de um rio e morre afogado, pois tudo não passava de uma fachada. Assim vivem parte dos japoneses hoje. Procurando suas projeções para se sentirem vivos ao seu modo... uns no Ragnarok, até morrerem sentados na cadeira de uma lan-house. Outros casando com travesseiros moe ou eroges, até morrerem e passarem 10 anos em decomposição na cama pois ninguém se deu conta do falecimento (só o governo, 10 anos depois, tentando descobrir porque fulano não paga suas contas); muitos outros, tentando se conectar aos demais indivíduos em suas fantasias libidinosas, como Kurosawa. Tudo fachada, casca vazia. Tentar agarrar essas ideias vagas é sinônimo de passar varado pelo reflexo falso e afogar-se no desespero da desconexão com a teia social, esta, frágil demais para ser sustentada apenas com sêmen e fantasia, como bem nos ensina Onani Master Kurosawa.

NOTAS:

O PRÓXIMO POST SERÁ UM ARTIGO SOBRE O TEMA YAOI. NÃO COM AS SUBDIVISÕES DO GÊNERO, MAS COM O TIPO DE ANÁLISE QUE É DE PRAXE NO OTAKISMO.

As frases de teóricos que ilustram o coletivismo japonês eu tirei de um artigo chamado Brasil e Japão, sem autor identificado, do site da UFSC.


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