Hoje a indústria dos games movimenta mais dinheiro do que a soma das indústrias cinematográfica e fonográfica, mais do que o dobro de Hollywood e figura com a espantosa medalha de bronze no pódio dos setores mais lucrativos do comércio, perdendo apenas para as onipresentes indústrias bélica e automobilística. O que antes era uma brincadeira de criança se tornou o rumo do entretenimento mundial, um norte para as próximas décadas, seja nos consoles, seja através da portabilidade dos celulares. Conhecer os caminhos que transformaram o brinquedo em negócio de gente grande é passar pela História de duas nações, EUA e Japão. Pretendo dar foco nos asiáticos, mas será inevitável navegar pelos dois lados do Pacífico, pois foram eles, os americanos, que inventaram o videogame como tecnologia, como business, além de abrigar o mais importante mercado consumidor no mundo, o que os tornam decisivos para as empresas japonesas. Gostaria de deixar claro que será inevitável cometer injustiças históricas, ignorando ou passando por cima de títulos e consoles importantes, afinal, apresentarei apenas um recorte da História no formato blog. Não estou escrevendo um livro nem TCC, portanto, escolherei os exemplos mais adequados para o recorte que optei, e não venham com clubismos idiotas, cada empresa teve seu papel no desenvolvimento desse monstro.
No Japão o terreno para essa indústria foi semeado imediatamente pelos desdobramentos da Segunda Guerra. Impedido pelas potências vencedoras de competir em setores tradicionais de suas economias, o Japão se aproveitou de seu eficiente sistema educacional, que alimentou uma população já bastante instruída, para competir em um novo setor que ninguém ainda conhecia ao certo seu potencial: a eletrônica. Se apropriando de conceitos científicos e tecnologia ocidental (como o transistor e a fabricação de circuitos integrados), os japoneses aperfeiçoaram a cadeia produtiva e passaram a fabricar dispositivos eletrônicos melhores e mais baratos, garantindo uma soberania que resiste até hoje. Pode notar, seu celular é Made in China, mas o chip minúsculo que ele carrega é Made in Japan.
Após uma breve enunciação tecnológica, não posso deixar de introduzir o primeiro tsunami que o Japão causou na indústria dos videogames, trata-se do clássico de arcade Space Invaders desenhando por Tomohiro Nishikado e lançado em 1978. Influenciado por títulos de ficção da época como Star Wars e pelo contexto militarista da época, Tomohiro criou um game em que seu único objetivo é deter as ondas de invasões alienígenas com tiros para acumular o maior número possível de pontos.
O jogo hoje é interpretado como uma metáfora da Guerra Fria e cristalização do temor do aniquilamento humano por um possível holocausto nuclear. Além da evidente temática espacial, um fator determinante nesse visão é a impossibilidade de vencer o game. Claro que também devido às limitações tecnológicas da época, inconscientemente ou não, Space Invaders é um jogo onde não há vitória. Por mais habilidoso que seja o jogador, cedo ou tarde o game acaba levando ao fim todos os seus jogadores. Os aliens representam uma força que não pode ser derrotada quando resolvem atacar, uma visão um tanto quanto distópica e pertinente para a época onde o apertar de um botão, decidido pela deliberação de meia dúzia de líderes, poderia colocar fim na existência.
O impacto de Space Invaders no inconsciente coletivo do mundo se deu por oferecer aos jogadores a sensação de controle sobre o destino do planeta, sobre questões complexas das quais o cidadão comum não tinha direito de opinar. O medo do botão vermelho como um cavaleiro do apocalipse foi substituído através dos arcades pelo efeito calmante do botão como um mecanismo de controle. A televisão fazia o papel de uma mídia passiva que apenas mostrava o horror da Guerra no Vietnã e as crises diplomáticas entre EUA e URSS sem que o homem comum pudesse interferir na realidade amedrontadora. Se não posso mudar os atos de Nixon e Brejnev, ao menos os games me oferecem uma postura ativa nessas questões através de uma roupagem menos assustadora. A destruição no game é apenas simbólica, ela excita os medos mas não causa danos reais. No Japão, país que serviu de base para o Exército americano atacar o Vietnã e posto capitalista mais próximo do território soviético, logo, um alvo óbvio em caso de confronto armado direto, essas questões ganham uma dimensão considerável.
Algumas pessoas do meio também enxergam Space Invaders como um resíduo da guerra mundial, onde os invasores (bitmap de seres marítimos pela impossibilidade tecnológica de desenhar aviões) oferecendo constante ameaça aérea remeteria aos tempos onde os americanos castigaram o Japão com suas bombas incendiárias (planejadas para queimar as casas de madeira da época), reduzindo a atividade industrial do país à estaca zero. Teorias a parte, Space Invaders conquistou os jovens japoneses da época que, por determinações geográficas, precisavam sair de casa para se divertir, gerando um imenso público para as máquinas de arcade. O jogo fez tanto sucesso que segundo o documentário "A era dos videogames", o Japão sofreu uma escassez de moedas de 100 ienes e surtos de roubos para alimentar as máquinas.
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Pac-man |
Outra produção japonesa para arcades que merece destaque é Pac-man. Criado por Tohru Iwatani para a Namco em 1980, o game tem como referência o universo pop japonês no período de bolha econômica, intensa prosperidade e alto poder de compra da juventude. Influenciado pelos animes e mangás enquanto permeado pela atmosfera kawaii do Japão, Iwatani produziu Pac-man por enxergar um nicho do mercado japonês ainda não explorado. Os arcades da época tinham um foco muito grande em destruição e violência para um público majoritariamente masculino e jovem.
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Pac-man foi uma tentativa bem sucedida de atingir o público feminino e os casais de idade um pouco mais avançada (situação que se perpetua até hoje no Japão, a manutenção de uma base de jogadoras maior que no Ocidente). Para tal, Tohru criou Pac-man com estética infantil baseada numa pizza da qual foi retirada uma fatia. Segundo o criador, a ideia surgiu em um almoço numa época onde ele ainda não tinha noção do que criar, resolveu pedir uma pizza, pegou um pedaço e, voilà. Lá estava uma das principais inovações que os japoneses trouxeram para a indústria do videogame: O protagonista, alguém para transmitir empatia ao público, sensibilizar crianças e mulheres via identificação naquele mercado soterrado de coisas fofinhas. Estava dado o primeiro passo para a maturação desse segmento do entretenimento. Pac-man foi a primeira experiência trans-midiática proporcionada por um jogo; dele se derivou novos personagens, jogo de tabuleiro, camisetas e desenho animado.
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Atari |
Em escala global, Magnavox e Atari na década de 70 reduziram a diversão dos jogos aos consoles permitindo aos gamers a possibilidade de jogar dentro de casa através da televisão. Apesar dos preços elevados, os consoles caseiros se popularizam de modo surpreendente, situação que atraiu inúmeros competidores para o setor do videogame. Acreditava-se na época que bastava lançar um jogo no mercado, independente da qualidade, para garantir o devido retorno financeiro. Tanta porcaria foi produzida, o público ficou tão confuso com a variedade de opções, que o ano de 1984 foi sabático para o mercado americano de videogames. Sofrendo com a crise criativa e com a competição dos PCs (que custavam apenas um pouco mais do que um videogame, mas ofereciam múltiplas tarefas), os especialistas em tecnologia decretaram o final da moda dos videogames. O jogo que simboliza essa fase é ET, versão da Atari do sucesso cinematográfico de Steven Spielberg responsável por jogar a última pá de terra na confiança dos gamers, cansados de chafurdar na m#rd@ para encontrar algo que valia a pena. Confira:
Os jogos da época ainda eram rudimentares, meras distrações infantis quando comparados aos demais segmentos da indústria do entretenimento como o cinema, a televisão, a literatura ou os quadrinhos. A salvação veio do leste asiático. Concomitantemente com esse processo, a Nintendo do Japão, que nasceu fabricando diversos brinquedos de plástico e coisas do gênero, resolveu apostar nos videogames e lançou em 1983 o Famicom (Family Computer), console de 8bits com foco nas crianças, posicionado mercadologicamente com um brinquedo, para tentar dar sequência no sucesso dos seus jogos produzidos para arcade. Felizmente, a fabricante de Kyoto não entrou oferecendo mais do mesmo e trouxe uma série de inovações para um setor do entretenimento que já tinha missa do sétimo dia marcada.
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Famicom |
A Nintendo trouxe inovações que serviram de guia para a indústria no sentido da gestão do negócio, como por exemplo permitir que empresas parceiras desenvolvessem jogos para a plataforma, uma ferramenta óbvia de disseminação tecnológica mundo afora, postura bastante diferente da Magnavox que só permitiu a compatibilidade do seu primeiro console com televisões da própria empresa, numa tentativa falha de alavancar as vendas dos tubos, o que obviamente podou seu público potencial. No mercado ocidental a Nintendo mudou o posicionamento do produto e, ao invés de vender um brinquedo de coesão familiar, alterou seu nome e design (respondendo agora por NES) e não o distribuiu como um artefato infantil, mas sim como um sistema computacional de última geração.
A contribuição da Nintendo para os videogames não se limita a fatores tecnológicos ou administrativos, aliás, sua grande herança para o setor foi o desenvolvimento das narrativas de histórias, situação que abriu as portas para a evolução do videogame dentro do leque de diversões possíveis. Antes o processo de produção dos videogames era habilidade exclusiva dos engenheiros, que faziam o possível dentro das limitadas possibilidades técnicas. Shigeru Miyamoto, designer, trouxe o tato do artista para a criação dos jogos agora que a plataforma 8bits possibilitava um olhar mais estético dentro do processo de construção.
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Donkey Kong |
É de Shigeru Miyamoto a concepção do personagem mais popular da história dos games, o encanador narigudo Mario, que fez sua primeira aparição ainda sob o nome Jumpman no jogo Donkey Kong de 1982. Criado com bigodes pela incapacidade de desenhar uma boca com a tecnologia da época, narigudo para se tornar reconhecível, e vermelho para se destacar, Mario ganhou notório destaque em suas franquias próprias. Super Mario Bros de 1985 é o grande clássico e responsável pelo sucesso do Famicom, tendo vendido mais de 40 milhões de unidades (o game vinha junto com a plataforma). Primeiro jogo expressivo de rolagem vertical (no qual o personagem sempre começa na esquerda avançando pela direita até algum final), Mario Bros conquistou o público com sua narrativa, trilha sonora cativante e oferecimento de um objetivo real, trazendo um sopro de vida para o videogame doméstico como conceito.
A Sega lançou em 1986 sua plataforma da terceira geração, o Master System de 8bits para competir com o Famicom, que detinha a quase totalidade da participação de mercado. Apesar de vender mais de 10 milhões de unidades mundo afora (sobretudo no Brasil), o Master System é um console eclipsado pelo sucesso da Nintendo.
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The Legend of Zelda |
Inspirado pelas paisagens naturais de Kyoto, o mundo idílico da infância de Miyamoto serviu como base para o segundo grande carro-chefe da Nintendo, The Legend of Zelda de 1986. Esse jogo foi revolucionário por trazer uma inovação que mudou a dinâmica das narrativas. Enquanto em Mario o personagem que o jogador manipula é o mesmo do início ao fim, com as mesmas habilidades e deficiências, apenas reagindo às dificuldades cada vez maiores impostas pelo ambiente (cobrando do jogador uma progressiva experiência para o avanço), em Zelda o personagem inicia sua jornada épica com atributos medíocres, evoluindo conforme o player avança no jogo através da apropriação de itens, por exemplo, sistema base para a formação dos RPG's virtuais. Zelda foi o primeiro jogo a trazer uma bateria interna no cartucho para o jogador salvar seu progresso no reino de Hyrule, repleto de cavernas baseadas nos passeios de Miyamoto pela natureza japonesa. O nome Zelda é uma referência à mulher do escritor americano Francis Scott Fitzgerald.
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The Legend of Zelda |
Zelda alcançou um sucesso muito grande principalmente no ocidente por questões macroambientais. As concepções econômicas adotadas por Ronald Reagan nos Estados Unidos e pela "Dama de Ferro" Margareth Thatcher no Reino Unido, como corte de impostos, desregulamentação do mercado financeiro e privatização de empresas estatais, permitiu um amplo poder de compra para a classe média desse lado do globo, o que estourou numa onda de consumismo na segunda metade dos anos 80, situação que viabilizou a venda de videogames em massa. Se Super Mario Bros vinha com o Nes, Zelda foi o principal título vendido de modo avulso, o primeiro a entrar na casa dos milhões no mercado americano.
Concordo com o que você pensou, se a situação econômica está favorável, o cenário é positivo para todos os títulos, então, por que Zelda, jogo que graficamente não era dos melhores? Além da inovação na jogabilidade, Stuart Moulder acredita que essa novidade de progresso pessoal apresentado no jogo dialogou fortemente com a juventude oitentista. Nessa fase o período da contracultura já havia morrido, caíram por terra as ilusões de alteração no sistema vigente, que aliás, se retroalimentou dessas pessoas. Com o incentivo ao consumo, aumento no padrão de vida geral e com jovens fazendo fortunas do dia para a noite ao manipular abstrações matemáticas na bolsa de valores, o individualismo guiava as pessoas (assistam Wall Street de Oliver Stone). Crianças e jovens que viviam ouvindo dos seus pais que apenas através de muito estudo e esforço seriam alguém no futuro, se identificaram bastante com um personagem que evidencia essa evolução através de uma repaginação infantil e épica desse conceito de poder conquistado e virilidade, algo muito mais divertido que os livros de álgebra.
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Alex Kidd |
Para não cometer uma injustiça histórica, citarei o primeiro ícone da Sega (empresa americana com braço japonês), Alex Kidd in Miracle World. Criado por Kotaro Hayashida para competir com Super Mario Bros, não teve a chance de lutar por um posto mais expressivo pela baixa penetração da plataforma Master System nos mercados mundiais, no entanto, no mercado brasileiro a Sega tinha uma boa participação pela parceria com a Tec Toy (numa época de tentativa de protecionismo da indústria nacional de eletrônicos) e o personagem é muito popular na terra do samba. Shinobi é outro título significativo desse mesmo período.
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Filme: Kids de Larry Clark, um recorte dos anos 90 nos EUA |
Uma nova geração ganhou seu espaço nos anos 90 smelling like teen spirit, a geração X, a geração desencantada, que não tinha ideais nem utopias, jovens incrédulos ao descobrir pessoas que fumavam maconha e praticavam o amor livre nas universidades dos anos 60, acumulando dinheiro e vazio no 'aburguesado' anos 80. Uma geração que transpirava rebeldia ao som de Nirvana e Pearl Jam, mas que no Japão tomou um rumo um pouco diferente. Abalados pelo estouro da bolha econômica (que sustentou o vertiginoso crescimento japonês nas décadas de 70 e 80) no início dos anos 90, esses jovens japoneses assistiram a ruína completa do projeto de vida dos seus antepassados, drenados por um pântano de estagnação econômica e decadência cultural. Filhos da dita modernidade líquida (conceito do sociólogo polonês Zygmunt Bauman) que impôs valores como o nomadismo e a aceleração como formas de superar a besta do desemprego, o que rege a geração X é a velocidade (enquanto alguns defendem que a depressão seria seu principal substrato oculto). Pesquisadores jovens do Japão, à sombra da hierarquia dos mais velhos, foram incentivados a buscar seu espaço em terras estrangeiras, como o mundo acadêmico e científico dos EUA. Empregados estagnados foram incentivados a mudar de emprego, quebrando uma lógica milenar de pertencimento familiar com sua empresa.
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Sonic |
A geração que jogou Mario enquanto criança cresceu, e não estava mais tão disposta a se divertir com um personagem cheio de amores para dar num jogo de dinâmica lenta, isso soava um pouco infantil e enfadonho para parte desses adolescentes. A oportunidade foi abraçada pela Sega, que havia lançado o Mega Drive no Japão em 1988, a primeira plataforma da quarta geração com seus 16 bits. Através do blast processing, com Sonic the Hedgehog, um porco espinho azul, velocista e mal-encarado, os japoneses conseguiram tocar com dinâmica e agilidade, o espírito nômade e permanentemente incomodado de jovens que ouviam Nirvana. O Mega Drive dominou Europa e Brasil e quebrou o monopólio da Big N na América do Norte enquanto disputou sozinho com um 16bits. Não tinha apenas um hardware mais avançado, mas também trabalhou com franquias de muito sucesso como Aladdin, NBA Jam, Mortal Kombat, Street Fighter, clássicos de arcade da Sega (Shinobi, Altered Beast) e títulos que levavam nomes de pessoas famosas, como Michael Jackson's Moonwalker ou Evander Holyfield's Real Deal Boxing.
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Super Mario World |
A Nintendo não ficou parada e lançou em 1990 sua plataforma da quarta geração, o Super Nintendo Entertainment System (Super Nes ou SNES), console que superou o Mega Drive e consolidou as maiores vendas dessa geração. Na verdade a Sega era líder na maioria dos mercados importantes, mas geralmente acompanhada de perto pela Nintendo (algo entre 55% ou 60% de market share), mas no Japão o Super Famicom dava um banho no Mega Drive, e na época o mercado japonês ainda era divisor de águas. A Nintendo contou com seu mercado nacional para a manutenção da liderança. Além disso, a Sega descontinuou a produção do Mega Drive em 1995 no mercado japonês devido ao lançamento do Sega Saturn em 1994, enquanto a Nintendo só fez o mesmo em 2003, não esquecendo o fato do sucessor Nintendo 64 ter sido lançado quase dois anos após a aparição do Saturn nos mercados. Se a Sega entrou sozinha nos 16bits, a Nintendo se manteve sozinha por muito tempo no final da geração.
Talvez junto com o Mega Drive, o SNES é o videogame que mais desperta nostalgia, tanto pela longa vida útil quanto pela quantidade de bons jogos desenvolvidos para ambos. No caso da Nintendo destacam-se os sucessos: Mario (Super Mario World, Super Mario Kart), Donkey Kong Country, Final Fantasy (IV, V e VI), Zelda (A link to the past), Mega Man X, Kirby etc.
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Driver |
As pessoas que cresceram jogando Pong ou Space Invaders, e ainda continuavam interessados pelo videogame como conceito, não se divertiam tanto com as propostas ainda infantilizadas de Sega e Nintendo. É claro, muitos jogavam Mortal Kombat, Comix Zone ou títulos do gênero (principalmente se tivessem filhos em casa, pois ambos usavam o mesmo console para jogos diferentes), mas outros tantos não se sentiam atraídos pelo que a indústria dos videogames estava produzindo. Costumavam se divertir com os jogos produzidos para computador, geralmente produções adultas que contavam com anti-heróis, erotismo e/ou violência. Foi a época dos jogos da cartas (e as inúmeras versões de Strip Poker), dos jogos da Sierra (Leisure Suit Larry) e a gênese dos tiros em primeira pessoa (Wolfenstein 3D, Doom, Duke Nukem).
Quem trouxe essas pessoas de volta para o universo dos consoles foi a Sony com seu Playstation. A entrada do conglomerado japonês nesse setor se deu através de uma antiga parceria com a Nintendo, que se uniram para aliar a tecnologia do CD-ROM com o Super Nintendo. Divergências contratuais quebraram o trato mas a Sony continuou com o projeto em mãos e resolveu lançar sua própria plataforma no mercado japonês ainda no final de 1994. A quinta geração não foi iniciada pelo Playstation, mas ele é seu nome mais expressivo. Atari Jaguar e Sega Saturn foram outros de expressão.
Através da exploração da tridimensionalidade (não os pseudo-3D ou porco-3D de antes) esses videogames, sob o norte da Sony, modificaram a forma de jogar. A parte gráfica abandonou o perfil mais infantilizado e cartoon para abraçar a realidade virtual. A introdução do Memory Card permitia o desenvolvimento de jogos mais longos e complexos, a mídia em CD permitia trilha sonora profissional e imagens realmente deslumbrantes para a época. Dando espaço para jogos de esportes, RPG's e alguns jogos moralmente questionáveis, o Playstation conseguiu a façanha de reunir muitos públicos diferentes, garantindo sua fidelização. Driver ou Resident Evil agradavam aos adultos, enquanto um Tony Hawk's Pro Skater e Twisted Metal faziam as cabeças dos adolescentes, Yu-gi-Oh! e Harry Potter era adequado para públicos infantis. Com um adendo: O jogo deixou de ser casual, um divertimento descompromissado que pode ser finalizado em algumas horas de um sábado; agora eles duram dias, contam histórias sólidas e realmente mexem com o emocional dos jogadores. A principal contribuição do Playstation foi introduzir a interação hardcore como um posicionamento do produto. Algumas outras franquias de destaque para esse console foram: Final Fantasy, Silent Hill, Syphon Filter, Tomb Raider, Metal Gear Solid, Winning Eleven, Chrono Cross e outros. Convenhamos, não são títulos muito casuais.
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Nintendo 64 |
Na concorrência da quinta geração, a Nintendo entrou com sua versão 64bits, mas com uma diferença para os demais: Ainda usando cartuchos, e não as mídias óticas como os concorrentes. A Big N alegava que o cartucho possuía a vantagem do carregamento imediato do jogo, ao contrário do CD, além de segurança contra pirataria, mas muitos os acusaram de manter os cartuchos para sustentar uma margem maior de receita, uma vez que cartucho é mais caro que CD. Foi justamente o custo menor de produção do CD que permitiu a liderança da Sony nessa geração, pois era mais interessante para os parceiros desenvolver jogos em CD (A Nintendo perdeu o apoio da Squaresoft para a Sony), então o Playstation contava com uma variedade maior de títulos. Talvez a Nintendo tenha favorecido o cartucho para manter o lucro tanto com console quanto com jogo (posição histórica deles), afinal, o grosso dos lucros vêm via licenciamento e royalties (não com venda de console), e temia-se a substituição do padrão. A aposta da Sony foi mais feliz pois as mídias óticas se consolidaram e os lucros foram bilionários.
Ainda sim o Nintendo 64 foi um videogame com um hardware bem complexo e bem sucedido tendo vendido mais de 30 milhões de unidades (contra um Playstation que superou a casa dos 100 milhões). Com relação aos principais jogos, além das novas versões dos seus personagens de sempre (Super Mario 64, Mario Kart 64, The Legend of Zelda: Ocarina of Time, Donkey Kong 64), eles contavam com Pokémon, a franquia febre do momento (Pokémon Stadium, Snap). Também fizeram sucesso com alguns jogos desenvolvidos por parceiros como Gondeneye 007.
Enquanto a Sony posicionou o Playstation como uma tecnologia superior para um público maduro e/ou hardcore, a Nintendo manteve um perfil mais próximo do conceito de diversão, situação semelhante ao que vemos atualmente na luta entre si e contra a Microsoft.
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Game Boy |
A década de 90 não foi apenas problemas para a Nintendo contra Sega e Sony, pois ela disputou em duas frentes. O Game Boy é um console portátil produzido pela Nintendo desde 1989 - responsável pelo sucesso do soviético Tetris no Japão - que foi reformulado em 1996 sob o nome de Game Boy Pocket. O grande trunfo desse portátil foi o título Pokémon, que ajudou as demais versões de Game Boy (como a Color) a alcançar vendas superiores a 115 milhões de unidades mundo afora. Ao contrário do que se pensa, Tetris é o jogo mais vendido do portátil, e não a criação de Satoshi Tajiri (não vale somar todas as versões de Pokémon, que é a
franquia mais bem sucedida). Não foi a Nintendo que inventou o conceito de videogame portátil, mas sem dúvidas foram eles que popularizaram e definiram as diretrizes do modelo de negócios.
No Japão o portátil manifesta um papel central na vida dos gamers. O sistema educacional japonês (que mantém as crianças e adolescentes fora de casa na maior parte do tempo), a grande concentração demográfica que obriga os japoneses a morar em casas minúsculas (portátil permite que as crianças se divirtam mesmo quando os pais estão assistindo TV na sala) e o uso maciço de transporte público são condições ambientais que tornam o portátil um amigo do usuário japonês. Tanto que as vendas do Game Boy no Japão não são muito menores quando comparadas com todo o continente americano (32 x 44 milhões), principalmente quando colocamos isso em perspectiva com outros consoles, onde apenas o mercado norte-americano corresponde ao mercado japonês multiplicado algumas vezes.
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Dreamcast |
Pincelando ainda a década de 90, é possível destacar o Sega Saturn, lançado algumas semanas antes do Playstation, como um videogame sério, não as peneiras para esconder o Sol que foram o Sega CD e 32X. Teve um resultado inicial positivo, principalmente no mercado japonês, mas sucumbiu diante dos sucessos de PS1 e N64, não conseguindo a consolidação nem no mercado europeu, onde historicamente foi superior aos japoneses de Kyoto. Sua plataforma era muito cara em comparação com a concorrência, seus únicos títulos de relevância foram Virtua Fighter 2, Grandia e Daytona USA. Com o fracasso do Saturn, a Sega ainda tentou bater seus concorrentes nipônicos com um videogame da sexta geração, o Dreamcast.
O Dreamcast fracassou comercialmente em dois anos (apesar de manter uma base de simpatizantes até hoje, principalmente por um motivo): Playstation 2. O erro inicial foi pensar no PS1 e no Nintendo 64 como concorrentes e antecipar a nova geração com um lançamento na entre-safra dos videogames. Ok, venderam horrores inicialmente pela superioridade do hardware, mas muitos gamers preferiram esperar pelas novidades dos concorrentes que obviamente trouxeram inovações tecnológicas. Os potenciais clientes estavam com o pé atrás devido ao fracasso das últimas tentativas da Sega, e a Sony, vendendo horrores seu PS1, pediu aos seus usuários que esperassem pois sua novidade superaria o Dreamcast. Muitos esperaram... Antecipar o hardware também fez com que eles usassem uma mídia desenvolvida em conjunto com a Yamaha, o GD-ROM (1,2gb), quando já se ventilava no mercado japonês o advento do DVD. O desespero se justifica pelos erros administrativos passados, determinantes para a urgente necessidade de gerar caixa num futuro breve.
Além disso, a Sega já cambaleante teve certa miopia de negócios ao lançar um videogame para jogos online quando o mercado e a infraestrutura ainda não estavam prontos para isso. Não adianta ser visionário se isso extrapola a rentabilidade do negócio. Sim, o Dreamcast foi um fracasso, mesmo que os motivos não estejam ligados ao aparelho! Ele pode ser tecnologicamente interessante, à frente de sua época, mas se o objetivo de sua criação é proporcionar lucros ao fabricante, e não se exibir pelo videogame mais interessante, ele não conseguiu isso, fracassou. Ficam com créditos históricos, pela tecnologia forte e pelo embrião dos servidores de games online, mas quebraram. Para compensar as dívidas herdadas do Saturn, precisaram fazer jogos para outros consoles, mas para tal foram forçados a descontinuar a produção do Dreamcast. Importante destacar a participação da Microsoft na tecnologia do Dreamcast, um aprendizado essencial para sua entrada positiva nesse concorrido mundo com o X Box.
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Playstation 2 |
O grande responsável pela derrocada final do Dreamcast foi o Playstation 2 da Sony lançado em 2000, o mais bem sucedido videogame da história até a chegada do DS, superando a casa dos 140 milhões de unidades vendidas, 1,5 bilhões de jogos vendidos e mais de 10 mil games produzidos. O PS2 deu sequência ao sucesso do PS1 ao trabalhar com franquias consagradas como os RPG's. Isso somado à novidade da tecnologia DVD quando ela estava vivendo seu boom no mercado japonês. A Sony conseguiu manter as softhouses na sua órbita e isso foi essencial para sua perpetuação. Alguns games de sucesso lançados por eles foram GTA Vice City, God of War, Final Fantasy XII, Metal Gear Solid 2 entre outros. Até hoje a Sony solta as vendas dos PS2 em seus dados financeiros publicados, cinco anos após o lançamento do seu sucessor PS3! A manutenção das vendas dessa vaca leiteira japonesa se justifica pelo preço reduzido no varejo (99 dólares) e pelo desbravamento de novos mercados (foi lançado oficialmente no Brasil em 2009, por exemplo).
Nessa sexta geração, a Nintendo tentou encerrar a hegemonia da Sony com o GameCube e seus mini-DVD's. O console vendeu pouco mais de 20 milhões de unidades, muito atrás da Sony, mas na frente da iniciante Microsoft em quase todos os mercados (exceto o americano). Nos portáteis, a Nintendo lançou o fenômeno DS em 2004 com suas duas telas, a inferior sensível ao toque. Com uma série de tecnologias embutidas, o DS superou recentemente o número de vendas do PS2, segundo o site VGChartz. (outras fontes dizem que o PS2 superou a casa dos 150 milhões de unidades e ainda se mantém na liderança)
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Durante esse período os produtores de games como um todo no Japão foram impactados pelas restrições impostas pela força da lei em 2002. Se nos EUA e Europa as pessoas se preocupam com exposições cruas de violência, no Japão o que preocupa é o erotismo. Recentemente os japoneses censuraram Mafia II, God of War por conter conteúdo erotizado. Nos últimos meses uma onda de conservadorismo tem rodeado os políticos de Tóquio e o Japão está censurando jogos de teor violento, como Call of Duty Black Ops, No More Heroes, Resistance Fall of Man. Alguns jogos são censurados quando rodados em um PS3 japonês. Não estão apenas restringindo o acesso desse tipo de material, estão proibindo mesmo os adultos de ter contato com eles, o que é moralmente questionável. Se os pais abriram mão da educação de seus filhos, agora são os governos que assumem sua incapacidade de protegê-los de conteúdo impróprio, atingindo a todos com suas decisões arbitrárias.
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A atual geração talvez seja abordada numa nova postagem, mas não posso deixar de evidenciar algumas situações do videogame japonês, que encontra alguns problemas pela frente. A crise econômica está maltratando a indústria japonesa e o mercado interno deles perdeu a capacidade de decidir positiva ou negativamente o destino de empresas globais, ainda que duas das três maiores do ramo sejam nipônicas. Os mercados americano e europeu estão drenando as atenções e os recursos dos principais participantes do setor. Os videogames de mesa estão com venda mesmo inexpressivas quando comparamos com a força do mercado japonês nas décadas passadas.
A estagnação qualitativa das softhouses japonesas é outro problema sério. Antigamente os japoneses produziam boa parte, talvez a grande maioria dos bons jogos, mas hoje as produtoras ocidentais ultrapassaram-nos. Não que os japoneses ficaram parados, mas os ocidentais correram muito mais (notável evolução dos europeus). Alguns apontam que o problema seria a pouca variedade de gêneros e muitos títulos de nicho, como aqueles J-RPG's que só agradam uma pequena parte apenas do público local. Enxergo que a vantagem ocidental se dá não apenas pela sua evolução em game design, mas pela atual sofisticação dos videogames. Ao trazer para o ramo as melhores cabeças e a tecnologia de informação, informática e rede, o mundo ocidental trouxe uma expertise para os games que o Japão não tinha. Os ocidentais estão trabalhando a base online de modo muito mais interessante. Pessoalmente não acredito que o perfil casual proposto pela Nintendo (Wii e DS) e abraçado pelos japoneses seja justificativa, uma vez que existe exportação e mercados gigantescos mundo afora.
É possível acusar a crise como mero problema de perspectiva. Primeiro, é covardia comparar o Japão com o resto do mundo tecnologicamente desenvolvido. Eles já salvaram a indústria, mas agora os demais aprenderam e é natural que os asiáticos percam expressão mundial ao dividir o mesmo mercado com outros países competentes. Segundo, há vários games japoneses atuais que não ficam devendo nada a algum jogo ocidental, a questão é que eles não evoluíram de suas últimas versões, enquanto os outros deram passos de gigante, igualando a situação e gerando a sensação de decadência japonesa.
Como eu disse, provavelmente cometi algumas injustiças históricas, mas como o texto não se pretende imparcial, vai ficar assim. Se não gostou, faça o seu com todas as referências que ache necessárias :)
No entanto, apesar da busca pelo cruzamento das informações, acho bem provável que o texto apresente algumas falhas factuais ou mesmo analíticas. Se for o caso, peço que corrijam, com a devida fonte, ou ofereçam um novo ponto de vista via comentário.
Fontes:
Era dos Videogames
http://www.vgchartz.com/hardware_totals.php?type=Hardware&sort=Total